quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A palavra-chave do ano

Começo de ano é tudo igual, contendo, sempre, discursos que venham a transmitir paz, harmonia, e esperança. São sentimentos que geramos, ou proferimos, a fim de buscarmos uma vida mais tranquila e com menos problemas, seja para o próprio benefício, ou para o bem de um próximo qualquer, mesmo sabendo-se que é praticamente impossível levar uma temporada inteira sem ter um mínimo de preocupação. E se formos reparar, existem pessoas (entre cidadãos-comuns, políticos, religiosos e astrólogos de plantão) que, com apenas uma palavra, nos aconselham como devem ser nossas condutas para aquele determinado ano. Já tivemos começo de temporada no qual a palavra-chave foi ou luta, ou fé, ou determinação, ou perseverança, entre outras. Lembro-me que a palavra a ser empregada (e a ser seguida) em 2009 foi foco, que é equivalente a ter atenção. Não sei qual é a deste ano, mas a julgar pela condução das ações no Haiti, qualquer pessoa que venha a falar que a palavra-chave de 2010 não é HIPOCRISIA é uma pessoa sonhadora, ou mentirosa.
O terremoto que atingiu, e arrasou, o país mais pobre das Américas pegou de surpresa o mundo inteiro. Ver as imagens de destruição, os milhares de corpos espalhados pelas ruas, principalmente na capital Porto Príncipe, o desespero dos sobreviventes, a luta das equipes de resgate, dentre muitas outras cenas, comoveu a maioria dos países, sejam desenvolvidos ou não. O esforço dos governos e de suas populações para conseguirem fundos de ajuda humanitária é algo comovente. Tudo é muito bonito, até chegarmos ao ponto nevrálgico da questão: é preciso uma tragédia de largas proporções para fazer com que as pessoas e as autoridades comecem a enxergar um país pobre? Abre-se os jornais impressos, liga-se a televisão nos noticiários, ouve-se no rádio, lê-se pela internet, diversas notícias ou de ciúme entre as nações, ou de demonstração de força de poder, seja para controlar a situação de momento, ou para ser líder de uma futura recuperação do Haiti. É país reclamando dos Estados Unidos por terem assumido o controle dos aeroportos e estarem complicando a distribuição de alimentos e remédios para os desabrigados do terremoto; é país reclamando das organizações que em nada vêm a acrescentar; é Hugo Chavez, caudilho venezuelano, mais uma vez alfinetando os americanos, dizendo que eles querem ter a soberania sobre a ilha da América do Norte. Um festival de hipocrisia.
A Organização das Nações Unidas (ONU), liderada por um sul-coreano que só recebe críticas por seu pouco engajamento com as situações humanitárias, não consegue se entender com as demais organizações envolvidas. A União Europeia (UE) só consegue bater cabeça com outros países. Já o Brasil foi acometido por uma ciumeira, tendo em vista que percebeu que seu trabalho de 5 anos no Haiti, desde a queda do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, havia sido atropelado por outras nações, em especial os Estados Unidos. Mas uma das atitudes mais irritantes, neste processo que já ocorre desde o dia 12/JAN/2010, data da tragédia, foi a notícia de que a França poderia perdoar a dívida que o governo haitiano tinha com eles. E que não era baixa. Daí o porquê acho que a palavra que guiará este ano é hipocrisia. Quer dizer, foi preciso que um país fosse devastado, e que morresse, no mínimo, 100.000 pessoas para que tivessem olhares para o Haiti? Promovendo ações humanitárias de ajuda ao país, e até fazerem menção de suspender a dívida externa dos haitianos? Ou seja, desse modo, aconselharei os países pobres e miseráveis que provoquem, de alguma forma, alguma catástrofe natural, para que comecem a se preocupar realmente com as necessidades principais desta determinada nação.
Claro que toda ajuda, mesmo que tardia, é bem-vinda. Mas o jogo político (e de interesses) que tomou conta do Haiti é algo nefasto. Talvez o único país que esteja indo bem na condução das ajudas seja mesmo o Brasil, uma vez que está presente na ilha desde 2004. Tudo bem que os brasileiros (não os que trabalhavam para a recuperação do país até o terremoto, que iam de militares a médicos, entre outros, pois estes são verdadeiros heróis, mas sim, os políticos) estão lá mais por pura politicagem, uma vez que sonham em conquistar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, do que pela questão humanitária.
Mas, mesmo assim, as autoridades não estão poupando esforços com ajuda àquela nação tão sofrida. O jeito é continuarmos o apoio ao Haiti, mesmo que esse socorro seja desordenado, pelo momento, e/ou político. É o mínimo que os países, desenvolvidos ou emergentes, envoltos à questão podem (e devem) fazer. Pedir menos, ou a erradicação, da hipocrisia é uma utopia. O importante é tentarmos ser o menos otário possível em 2010 no que diz respeito aos políticos. Lembrando sempre que este ano escolheremos o presidente da república pelos próximos quatro anos. E é importante, também, que a palavra-chave seja mesmo positiva, e que o nosso sub-consciente não seja nada hipócrito também.

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